Articles-Portuguese

 

Onde cresce a esteva
– A luz do Alentejo

 

O movimento da mão

 

Ingrid Simons nasceu em 1976 em Eindhoven (Holanda) e terminou a seu curso de Pintura, Desenho e Artes Gráficas em 1999 na Akademie voor Kunst en Vormgeving, ’s-Hertogenbosch. Apaixonou-se pelo Alentejo em 2010 e desde então passa anualmente dois ou três meses numa residência artística, organizada pela Fundação OBRAS, perto de Estremoz. Lugares como a Pedreira dos Pássaros ou o Pego do Sino, as flores que nascem espontaneamente nos campos, o ritmo de vida mais tranquilo, não param de a impressionar e de a fazer voltar.

Ao longo destes anos Ingrid Simons tem-se embrenhado na paisagem alentejana, absorvido a sua luz, observando cambiantes, a aurora e o entardecer, os seus momentos preferidos, mas na maioria dos casos não reproduz o que vê mimeticamente.
Não representa a presença humana. Abstractiza a paisagem. É sobretudo o seu Alentejo interior, as cores da terra, do céu e da água, que nos dá a ver nesta Exposição partilhando, por vezes, o olhar sobre outras latitudes.

A força plástica das empastamentos revela os caminhos da mão na pintura e talvez os seus estados de alma. Pela mão dos Mestres Xico Tarefa e Luís Rosado, do Redondo, começou também a trabalhar na técnica da cerâmica tradicional, que podemos ver nesta exposição em alguns frutos dessa longa cooperação. Apresenta igualemente ao nosso olhar uma peça inspirada nas lucernas do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo.

Num mundo de tantas incertezas, a contemplação de determinadas paisagens e das suas representações continua a ser um momento apaziguador, e/ou pode inspirar o instinto de preservação e o ativismo ambiental e social tão necessário nos dias de hoje.
Uma proposta à consideração do seu olhar, emoção e pensamento.


Sandra Leandro
Directora do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo

Onde cresce a esteva – A luz do Alentejo”
Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, Évora (Portugal)
22 abril – 28 Maio 2023


***

Direção-Geral do Património Cultural / DGPC

22.04.2023

«Desejo desconstruir a paisagem e reconstruir uma nova realidade física que parte da minha experiência pessoal com a terra e com a sua essência. Para mim, pintar é uma experiência eminentemente física, um ato de equilíbrio entre esculpir com tinta a óleo e dissolver camadas de tinta – uma montagem e desmontagem de estruturas e padrões emergentes dessa dissolução» – São palavras de Ingrid Simons. Ao longo destes anos a Artista tem-se embrenhado na paisagem alentejana, absorvido a sua luz, observando cambiantes, a aurora e o entardecer, os seus momentos preferidos, mas na maioria dos casos não reproduz o que vê mimeticamente. Não representa a presença humana. Num mundo com tantas incertezas, a contemplação de determinadas paisagens e das suas representações continua a ser um momento apaziguador, e/ou pode inspirar o instinto de preservação e o activismo ambiental e social tão necessário nos dias de hoje. Neste caso as fotografias não fazem o mínimo jus à ao trabalhos que se apresentam nesta sala. A exposição ficará à consideração do seu olhar, emoção e pensamento até dia 28 de Maio.  

Sandra Leandro
Directora Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo

 

 

***

Texto de Ron Dirven (2018) do livro : “Het Licht & Het Duister”, Ingrid Simons

Ingrid Simons, artista em Residência de Van Gogh

 

Prefácio

A boa pintura não consiste em usar uma grande quantidade de tinta, mas por vezes, para dar verdadeira força à terra, para fazer um céu brilhante, não nos devemos  preocupar com um tubo de tinta a mais ou a menos. Às vezes o motivo requer uma fina maneira de pintar, outras, o material, a natureza das coisas, revela  ser evidente que necessita de ‘impasto’.

[Vincent aan Theo van Gogh, 3 de Setembro de 1882]

 

Ingrid Simons

Zundert em cores quentes

 

Foi evidente que Ingrid Simons, durante sua residência artística na casa de Van Gogh em setembro e outubro de 2017, iniciou uma busca pela paisagem de Van Gogh. Ambos os artistas têm fortes ligações à natureza.

Vincent cresceu num ambiente de vastas áreas de florestas e urze. Deambulou  muitas vezes  por  Pannenhoef, De Moeren e pelo Oude Buisse Heide, e  isso marcou-o profundamente. Mais tarde, escreve à sua mãe sobre as paisagens da Provence, ‘como se tivessem sido pintadas, por exemplo, em Zundert ou Calmpthout’.

Nos dias de hoje a natureza em redor  da cidade de Zundert é ainda tão bela quanto no tempo de Van Gogh. E é claro que Ingrid Simons escolheu esta paisagem como  motivo de inspiração para as pinturas que fez durante a sua residência no estúdio da casa de Van Gogh. De que é exemplo o belo quadro Jaan Dikke Ven sobre o Oude Buisse Heide, rodeado pela floresta, com céus nublados e ameaçadores acima desta.

Se procurou os motivos e a inspiração em Van Gogh, Ingrid utiliza a sua própria paleta de cores e a sua avultada forma de aplicação da tinta na execução do seu trabalho. A título de exemplo, Ingrid usa uma cor muito específica que é uma mistura de laranja, creme e cor-de-rosa no céu e na água. O brilho quente desta cor transmite um efeito ensolarado, reforçado pelo contraste com o cinza das nuvens. Sobre esta dá ao escuro, quase negro, toques de verde fresco nos seus bosques, num ênfase à paisagem, o que transmite, no todo, uma atmosfera do sul. Como se as suas paisagens não fossem pintadas em Brabant mas antes, por exemplo, em Portugal.

O calor nas suas telas irradiam um temperamento  que  Van Gogh foi procurar (bem longe) no  Sul. Ingrid vai buscá-lo para a cinzenta Brabant. Com ela o sol brilha mais perto.
O oposto das paisagens ensolaradas de Simons são os seus noturnos, com agudo contraste entre os pretos e os brancos, alternados com um azul claro e intenso. Onde Van Gogh escolhe um profundo azul ultramarino nas  suas telas noturnas, Simons prefere um mais claro azul cobalto. Como um brilho de lua cheia numa noite quente de verão. Mesmo em tons escuros, a sua paleta irradia calor e otimismo.

Então há o impasto. Também aqui Van Gogh é uma inspiração. Vincent às vezes comprimia a tinta diretamente do tubo para a tela. Mas Simons vai mais longe. Os impastos  são por vezes tão espessos que surgem relevos, e há muitas vezes escorrimento da tinta. Estes reforçam a plasticidade e a expressividade. Conseguimos sentir o crescimento da vegetação e experimentar a profundidade nas suas paisagens. A natureza aparentemente calma na região de nascimento de Van Gogh é, nos quadros de Ingrid,  transformada num mundo excitante e temperamental. Desta forma, ela acrescentou  interesse à paisagem de Zundert.

Ingrid Simons doou a pintura panorâmica da Jaan Dikke Ven na Oude Buisse Heide à colecção do museu Van GoghHuis. Por isso, ela ficará para  sempre contectada com Zundert. Também por efeito da presente publicação, que apenas foi possível através de crowdfunding entre os admiradores do seu trabalho. Ingrid escolhe mostrar, não só os resultados finais da sua residência, mas também o processo da mesma. Os seus estudos preparatórios, fotografias e fotos de estúdio formam  um género de  diário do seu tempo em Zundert. Assim, conseguimos ter uma empatia ainda mais  intensa com a artista. De um modo mais ou menos semelhante como aprendemos sobre o trabalho de Van Gogh através das extensas cartas  que escrevia sobre as suas reflexões e desafios.

Graças a esta publicação, a residência de Simons continua a ecoar em Zundert. Continua também através do trabalho de litografia e de serigrafia feito  posteriormente  com base na memória. Juntos, eles são a prova tangível que, para usar as palavras de Vincent, Zundert não sairá do seu coração. Isso é exatamente o que nós pretendemos atingir com o nosso programa de residência. Que o Zundert de Van Gogh possa inspirar a arte do futuro permanentemente.

Ron Dirven

Diretor-Curador
Vincent van  GoghHuis

Traduzão Carlos Miguel Alvez

 

 

***

 

 

 

Paraiso Escondido (2017)
Galeria Municipal D. Dinis, Museu Municipal Prof. J. Vermelho, Estremoz (Portugal)

 

***

 

 

Parte do texto para a exposição do grupo “Terra, luz, ar e água”
Museum van Bommel van Dam, Venlo, 2015-2016
Rick Vercauteren 

“… o Museu van Bommel van Dam comprou em 2009 “Silentio Noctis VI”.  Ela pinta  aspero, de cabeća para baixo, e faz todos os tipos de movimentos em outras direćões. A técnica de gotejamento cria tensão, energia. O fundo preto lembra o Armando.

Os dois quadros em cor cobre (ouro) a direita são : tonais, quase monocromáticas, como a paisagem seca de Portugal que as vezes vemos no verão português. “Portuguese Suite Into Another Landscape” é uma escolha entre cem pećas. Elas sào ficćão, não realidade, um experimento, e lembram Bert Loerakker. Quando você está no meio, você vê como elas se mudam de concreto, até etérico.
Quadros pequenos com grande expressividade, ecos de obras de Jan van Duijnhoven.”

 

 

***

 

 

“Numa danca selvagem” (2013)
Jos Wilbrink

Quem quer decrever a pessao Ingrid Simons, fala imediatemente da sua curiosidade espontanae edesinibida por tudo o que se passa ou existe a volta dela. A sua atitude otimista perante a vida e o seu interesse inato por mundos desconhecidos e culturas estrangeiras constituem uma dualidade fertil para criar grandes proezes artisticas. Juntamos-lhes a qualidade acrescida de uma mentalidade empreendedora intencional, uma qualidade de importancia vital para os artistas desta era, e a imagem dela esta completa.

Tive o privilegio de poer seguir a evolucao da obra da Ingrid desde o momento em que deixou a Academia de Artes Plasticas de ‘s-Hertogenbosch e iniciou a sua atividade de artista plastica livre. Pouco antes da passagem do milenio.

Era notavel que ela, desde o inicio, se esforcou imenso para dar uma forma profissional a essa atividade, aconselhando-se com profissionais e adquirindo conhecimentos adicionais a nivel das competencias profissionais indispensaveis para esta linda profissao.

Mais notaveis eram as qualidades a nivel de pintura que revelava possuir, logo apos a conclusao sua formacao. Nesses primeiros anos, a Ingrid pinta, com uma palette de cores reduzida, o ambiente em que se encontra. Primeiro, interiores simples, mais tarde tambem ambientes de exterior.
Ambientes domesticos em que uma cadeira com uma peca de roupa pousada desempenha o papel principal mas sem as pessoas que lhes estao associades. Registos momentaneos, muito proximos da realidade. Mais tarde, abandona a intimidade dos espacos e sai mais, procurando ambientes urbanos e sitios naturais e florestais. Por vezes com um ser humano. Ambientes parados representados na tela com grande precisao e pinceladas grossas. Nao sao imitacoes mas antes impressoes da realidade. Interpretacoes diretas que pretendem segurar um momento de vivencia ou de ambiente.
O que notamos e que ela se mantem sempre proxima de objeto, quer no sentido literal em termos de distancia, quer no sentido figurado em termos de materializacao e experssao. Com a menor dificuldade pinta o que lhe fascina nesse momento, sempre naquela caligrafia reconhecivel, com toques de tinta fluentes e com tons de preto e cor de rosa contrastantes.

Depois de ter pesquisado, nesses primeiros anos, o mundo artistico do seu pais natal e ter encontrado o eu lugar, comeca a crescer o desejo de ir, literalemente, mais longe. Primeiro ficando por perto, na Belgica e na Alemanha, rumando depois cada vez mais para o sul. Com uma estadia em Mas de Charrou reclama definitivamente a paisagem como companheiro no seu casamento com a arte. O carater paisagista da regiao florestal do Sul de Franca e uma revelacao que se exprime diretamente na sua obra. Ela descobre a vastidao do verde e anexa a Natureza ate ao ponto de esta ser visivel e tangivel. Pela primeira vez, o hoizonte determina o seu campo de trabalho. Uma experienca que se desenvolve em pleno durante a sua primeira estadia na residencia de artistas OBRAS em Evoramonte, em Portugal.

Debaixo das asas protetoras da Fundacao OBRAS, um refugio internacional e interdisciplinar de artistas, da iniciativa dos meus amigos apaixonados Carolien van der Laan e Ludger van der Eeerden, ela conseguiu fazer florescer essa evolucao. Entretanto, a Ingrid esteve tres vezes na Fundacao, o que resultou em grandes ateracoes na sua obras.

Desde ha seculos, as artistas partem para locais distances para se deixarem inspirar por culturas estrangeiras e paisagens exoticas. Proporciona-lhes o espaco para darem livre curso ao seu espirito e entregarem-se a uma medida de forca imprevisivel com o pais novo.

A Ingrid continua essa tradicao de ha longa data, nos seus propios termos. O seu metodo impressionista de trabalhar demonstra, por vezes, o respeito pelas impressoes impressionantes do ar, da terra e da luz e, a seguir, a leveza agradavel de uma boa conversa. Imagens sem mensagem, sao o que sao.

O interior desapereceu por completo da sua obra e deu lugar a eiqueza multifacetada da Natureza em todas as suas vertentes. Os pormenores passam cada vez mais para o fundo e com a introducao de novas cores exprime com mais forca a forma de apresentar o ambiente. Os “azuis” e, em especial, o Viridian azul esverdeado reforcam a vastidao amigavel do espaco e acentua a vegetacao intocada e colorida. Quando quer registar o calor abrasador do clima portugues, a imagem torna-se mais transparante e menos pesada. A obra adquire uma carga quase mistica que encontramos mais vezes na sua obra, noutras graduacoes. Como na tela com uma capela solitaris nos montes em redor da Herdade da Marmeleira, ou no quadro maritimo romantico no Algarve com um farol solitario como ultimo sinal antes do inicio do fim. Os titulos da sua obra refletem diretamente o foco da sua atencao : a noite, o silencio, a luz…

A evolucao gradual da sua pintura contrasta com a entrada subita da ceramica no campo de trabalho da artista. Parece que o regesso repetido para o pais novo, a intimidade com as pessoas com quem trava conhecimento sao motivo para reformular os seus limites artisticos. A Ingrid experimenta a vontade com a pintura de azulejos feitos a mae, misturando as tradicoes portuguesas com as qualidades da faianca de Delft. Os desenhos pitorescos em azul e, por vezes, em preto sao testemunha de uma atitude aberta perante o objeto e a regiao onde e convidada. Surpreendentes sao as clareiras na pintura que acentuam a maneira direta de trabalhar e iluminam a imagem de uma forma brincalhona.

Em Redondo, encontra o Mestre Xico, artista em ceramica, que lhe ensina as subtilezas do ificio e a introduz na composicao e aplicacao dos pigmentos tipicamente portugueses. Na sua ultima visita, tambem descobre as possibilidades especiais das jarras que a cultura portuguesa lhe aprenta : um primeiro exercicio na aplicacao de possibilidades tridimensionais.

O que caracteriza a Ingrid e que e extremamente sensivel nos seus contactos e que encontra em tudo um motivo para fazer algo mais. De tudo o que lhe cruzar o caminho, consegue expor a alma e torna-la acessivel aos outros. Ai, a sua paixao e a sua missao juntam-se.

A Ingrid toma muito do ambiente, mas tambem da muito. A OBRAS introduziu-a numa fase nova da sua actividade artistica e a cultura portuguesa enriqueceu-se com os multiplos resultados impressionantes da sua estadia. Juntamente com a Carlien e o Ludger, compilou duas vezes uma exposicao impressionante e, com a mesma naturalidade, realizou apresentacoes para o publico internacional de artistas que costuma hospedar-se na OBRAS. Como mais ninguem representa o exito do objetivo ideal que ambos os promotores tem em vista.

Em suma, podemos concluir que, para a Ingrid, a OBRAS nao e nenhum refugio turistico, mas antes uma base segura a partir donde conquista, pouco a pouco, o novo mundo, como um senhor da guerra. A busca de momentos valiosos em que a procura e a oferta se juntam e se tornam pilares no seu plano artistico. Onde a necessidade constante de desafios sossega e onde o conquistador e o mundo envolvente fazem as pazes. Se a arte alguma vez fizer sentido, o significado encontra-se nessa ambicao de chegar a um acordo com as proezas da Criacao.
A Ingrid Simons e a prova disso, vezes sem conta. Numa danca selvagem.

Jos Wilbrink
Presidente da Fundacao OBRAS
Proviniente do livro “So os caminhos eram meus, Ingrid Simons”

 

 

***

 

 

Texto no brochure no exposicao de Castelo de Evoramonte  “Jardim Secreto” (2013)

“Portugal e a Musa inspiradora do presente trabalho de Ingrid Simons. E aqui que encontra espaco de concentracao. Presente, passado e futuro cruzam-se. aqui experimenta uma paleta de cores diferente, trabalha outra luz e explora a ceramica.
Aqui compreende que a arte nao se resume a talento e “tempestades cerebrais”, mas e tambem percepcao e perseveranca.
Aqui nota que a vida nao se resume a successos e fracassos, que emocao e racionalidade sao complementares e que a felicidade e um resultado e nao um objectivo.
Esta sua Musa habita um paraiso secreto, algures em Portugal.

Geralmente, “focus” e “especializacao” sao entendidos como condicao para o sucesso. Ingrid Simons mostra que as coisas podem ser diferentes. Apesar de ser uma pintora dotada, as suas incursoes pela fotografia, serigrafia, gravura e ceramica denotam igualmente uma enorme capacidade criativa.
Recentemente explorou as possibilidades da ceramica como suporte para a sua pintura. O ponto de partida foi a tradicional azulejaria Portuguesa e os Delfts Blauw (azuis de Delft) que a estimularam. Estudou a historia e as technocas de producao do azulejo, procurou ajuda de um mestre oleiro Portugues e foi trabalhar com conviccao e ambicao. Os primeiros resultados sao promissores e parecem encontrar clientela.
Tal como os meios atraves dos quais escolhe expressar-se, tambem os temas da sua obra mudam com alguma frequencia. Interiores de igrejas, paisagens, marinhas ou naturezas mortas fazem parte do seu universo criativo que e sempre semi-figurativo.
Decida-se ainda a equitacao onde e uma cavaleira de adestramento talentosa, e professora de danca kizomba, estudante de Portugues e assessora de technicas de impressao.

Azulejo
Ingrid Simons aprecia a tradicao, mas tem uma paixao particular  pela descoberta. Na residencia artistica realizada na Fundacao OBRAS em 2010, decidiu investigar sobre a azulejaria portuguesa que sempre a fascinara.

Notou entao que, pesar de estarem presentes na arquitectura, pelo menos desde o seculo XV, foi a partir do seculo XVII que os grandes paineis de azulejos (de padrao ou historiados) passaram a ser elementos frequentes na decoracao parietal em Portugal. Nos seculos XVIII e XIX, os azulejos ornamentavam as paredes dos mosteiros, palacios, casas nobres e burguesas, mas tambem jardimns e suas casas de fresco. O seculo XVIII preferiu os motivos azuis e brancos e o azulejo retratava paisagens, cenas religiosas, arquitecturas, motivos florais e vegetalistas, etc.
Frequentemente, os paineis de azulejo foram cobrir revestimentos decorativos anteriores e e habitual haver igrejas cobertas de azulejos onde antes havia pintura mural.
Ingrid decide experimentar pintar sobre este novo suporte – o barro. Comeca pela traditional paisagem a azul e branco e, tal como as azulejos que outrora foram colocados sobre pintura mural, os pequenos quadrados de Ingrid sugerem algo para alem da materia que os constitui.
O resultado final do seu trabalho diverge em estilo e significado dos azulejos tradicionais.
Os Azulejos de Ingrid nao sao didaticos ou decorativos. Como nas suas pinturas, ela cria atmosferas duais. Um certo Romantismo fica-nos do primeiro contacto com a obra, mas depois ha uma nota de desconforto. estes trabalhos sao contemplativos e intimos, mas tambem dramaticos e tensos.”

Ana Pais (DRCALEN), Ludger van der Eerden & Carolien van der Laan (Fundacao OBRAS)
2013

 

 

***

 

 

“Sonho de uma noite de verao” (2011)
Ingrid Simons

No ano passado apaixonei-me por Portugal, este ano parece-me que esse amor está para durar.

No ano passado recebi um convite para trabalhar durante algum tempo em Portugal, onde eu nunca tinha estado.

Encontrei em Portugal aquela luz característica, forte e bela. A mesma luz que eu, regra geral, exacerbaria nas minhas pinturas para alcançar o resultado pretendido. Também encontrei as sombras negras compridas que eu já usava nas minhas pinturas, mas que aqui vi ao vivo.

O Ribeiro São Brás, que por aqui passa, deu início a uma nova orientação no meu trabalho. Pela primeira vez pintei apenas a verde e azul. Devido à referência direta que o verde constitui da paisagem (a erva, as árvores) e o azul do ribeiro (água), pude traduzir este tema de uma forma livre e abstrata. No meu trabalho sempre procurei analisar as fronteiras entre a imagem e a tinta, mas nestas pinturas procuro mais “as flores mais belas que crescem à beira do abismo”.

Na Fundação OBRAS encontrei um lugar com as condições perfeitas para eu poder trabalhar de forma excelente. É verdadeiramente fantástico passar dias inteiros naquele ateliê a pintar.
Passear por entre esta maravilhosa paisagem, tirar fotografias e sentir a inspiração vinda destas paisagens com a possibilidade de, logo de seguida, poder converter todas as impressões e registá-las em tinta. Para mim, é muito importante ter podido concentrar-me durante um mês por completo no meu trabalho, pois só assim os processos podem ser acelerados e aprofundados.
Tenho igualmente de mencionar que nestes dois anos viajei sozinha (na companhia dos meus quadros) para Portugal. No ano passado trouxe tanto os quadros para a exposição a solo “A luz de lua” em Évora, como também todas as telas para o período de trabalho, as quais tinham de ser transportadas na horizontal devido às tintas de óleo pastosas e de secagem lenta.

É uma longa viagem de carro e, para mim, funciona como uma espécie de peregrinação, na qual cresço como pessoa e como artista plástica. Durante uma viagem assim tão comprida temos tempo para por a cabeça em ordem, pensar nas experiências, inspirações, trabalho, além de podermos apreciar tantas coisas bonitas pelo caminho.

A completa mudança de ambiente, das planícies características dos Países Baixos, às zonas urbanas em volta de Paris e, depois de passar Orleães, a planície com os campos estendidos, até aos montes perto de Biarritz e a costa rochosa e ventosa, até às colinas perto de San Sebastiàn, até às vastas paisagens no sul de Espanha e os enormes calhaus brancos, quase mágicos, ao entrar em Portugal.
No ano passado, quando voltei para os Países Baixos de carro, tive a forte sensação de que tinha de regressar a Portugal, de que ainda mal tinha começado… Prometi a mim mesma que, se um mês depois de estar de volta à Holanda, continuasse a sentir isto com esta intensidade, iria tentar voltar. Pensei que o encantamento do “amor à primeira vista” por este magnífico país desaparecesse.

Mas as saudades e a vontade de querer voltar antes ficaram mais intensas, pelo que, um mês depois, elaborei um novo projeto. E fiquei imensamente feliz quando se lhe seguiu um convite para voltar.
Por isso regressei este ano (2011), novamente em março e abril. É uma belíssima estação, porque se chega e ainda está um pouco frio e logo começa tudo a florescer e a paisagem fica mais verde de dia para dia. As primeiras folhas são de um verde incrivelmente intenso! Em seguida, as flores começam lentamente a abrir e os prados adquirem a cor amarela das flores, as aves cantam e a relva cresce até à altura do joelho e, durante o dia, a temperatura já sobe bastante. É como se assistíssemos ao despertar da natureza do seu sono de inverno.

Claro que estava curiosa, ao voltar a Portugal, por saber como é que eu iria ver Portugal desta vez. E também como seria voltar a trabalhar neste local. Sentir-me-ia tão inspirada como da primeira vez?
Felizmente revelou-se ser um amor forte e duradouro. Desde o dia em que cruzei a fronteira de Portuga, já estava convencida de que este seria (novamente) um período muito importante para o meu trabalho e até para mim, em termos pessoais.

Ao chegar à Fundação OBRAS, senti-me como se estivesse a chegar a casa.

O mesmo no que respeita ao trabalho no meu ateliê: como já conhecia este espaço, já sabia como a luz entrava no estúdio (o que é muito importante para o pintor) e, ao fim de muito pouco tempo, sentia-me completamente em casa. Fiz uso, desde o primeiro momento, da totalidade da área do ateliê (ao contrário do primeiro ano).

Na primeira semana em que estive na Fundação OBRAS, tive a sorte de estarem previstos dois longos passeios, pelo que me deixei completamente inspirar pela natureza a despertar. Apenas alguns dias mais tarde, pude logo começar a desenhar e a pintar.
Passei alguns dias e tardes a pintar no meu ateliê português. É fantástico poder assim mergulhar no trabalho, poder finalmente encher os dias com pintura, passeio, fotografia e redação de textos.

Pintura
Após recolher inspiração e fotografias durante a primeira semana, nos passeios, comecei a desenhar. Na verdade, ao fim de dois ou três dias já tinha feito esboços para as três telas maiores que consegui transportar no meu carro: 100 x 140 cm.

Uma dos quadros de grande dimensão foi inspirada pelo Ribeiro São Brás, que passa ali perto da residência. Comecei a estruturar a pintura apenas com verde e azul; ficou completamente diferente das pinturas que tinha feito no ano passado, inspirada por este mesmo ribeiro. Para ser mais exata: ainda mais livre e abstrata do que no ano anterior (isto também é válido para as telas de pequeno formato). Este rio é um tema bonito, porque na verdade bastam as linhas fundamentais para se evocar uma referência a uma representação figurativa. Enquanto pintora, isso dá-me uma grande liberdade e o difícil nessas imensas possibilidades é não me perder no meio delas…

Durante as semanas, em que aqui trabalhei, passei tanto tempo no estúdio que consegui pintar os quadros que acima descrevi, mas também pude continuar a trabalhar nos meus quadros a preto e branco, inspirada pelos rios quase negros, com as anémonas de água brancas que cresciam no curso de água. Mas também na pintura dos bosques escuros, onde a forte luz do sol penetra e a luz abre caminho. A luz abstrai as folhas e, por entre a forma figurativa das folhas, deixa surgir um rasto de luz que parece seduzir-nos para que entremos nas veredas do bosque, sem que saibamos onde nos conduzem.

Ainda pintei alguns quadros sem usar qualquer fotografia como base, apenas partindo de um esboço. Apenas como reação ao que acontece durante a pintura, a paisagem surge e emerge da tinta.

Azulejos
A mim, os azulejos, aqueles azulejos azuis e brancos feitos segundo a tradição lusa, sempre me inspiraram e intrigaram sobremaneira. Por todo o lado, por onde andei, analisei estes azulejos: em Lisboa, Sintra, Redondo, Estremoz e Ėvora.

Em seguida, sonhei com a possibilidade de eu própria os poder talvez fazer, como uma homenagem a esta tradição portuguesa e a tudo aquilo que Portugal já me proporcionou.
Com a ajuda de Ludger, Carolien e Luís conheci um verdadeiro mestre da cerâmica, o Mestre Chico, que foi tão amável que se prontificou a ajudar-me. Eu gostava de fazer três exemplares de azulejos do tamanho dos meus quadros pequenos (40 x 30 cm).

Quando se pinta em cerâmica, as cores da tinta são completamente diferentes das cores depois da cozedura. Por exemplo, a cor lilás com que pintei depois da cozedura escureceu e tornou-se na característica cor azul dos azulejos.
Inspirei-me em três fotografias que tirei num dos magníficos parques naturais de Sintra.
Em cada azulejo há um jogo diagonal diferente; em cada azulejo a luz abstrai as formas das árvores altas que, sem a força da luz, quase cerrariam as passagens por completo. A luz seduz-nos a entrar pelas veredas do bosque e quanto mais se penetra no bosque, mais escuro este se tornará.

Este período serviu ainda para me ocupar com a fotografia enquanto meio autónomo e não apenas como esboços para as minhas pinturas. Mandei imprimir oito fotografias em Évora que foram tiradas aqui em Portugal.

Serigrafias
Fiz uma série de quatro serigrafias a partir de fotografias de Portugal do ano passado: duas serigrafias inspiradas pela Quinta da Regaleira em Sintra, uma pela natureza pura de Sintra e uma outra pelos jardins da Gulbenkian em Lisboa. Estas serigrafias começam por ser criadas a preto e dourado, culminando numa cor prateada muito suave. A maior parte das serigrafias consiste em quatro cores.

Estas imagens jogam com a perceção e o significado; superfícies que tanto são planas como parecem realistas, dependendo do movimento do espetador quando este se desloca junto das imagens. As cores prateadas alteram-se de superfícies fechadas, planas para formas figurativas e realistas. Este ano também selecionei fotografias da Quinta da Regaleira e do jardim do Palácio da Pena (ambos em Sintra), deste período em que aqui trabalhei, para servirem de base a novas serigrafias. Hei de imprimir estas serigrafias nos Países Baixos para dar continuidade a esta série.
As minhas estadias em Portugal, quer neste ano de 2011, quer no ano passado, foram extremamente importantes para o desenvolvimento do meu trabalho. Descobri que o verde e o azul são cores importantes na minha pintura e surgiram quadros a preto e azul que eu nunca antes tinha pintado e que provavelmente nunca pintaria sem estes períodos passados em Portugal a trabalhar. Até mesmo a possibilidade de ter tempo para fazer experiências no ateliê e a possibilidade de dedicar o dia inteiro à pintura, em total concentração, acelera o desenvolvimento e confere profundidade ao meu trabalho.

Ao fazer os azulejos (segundo a tradição portuguesa), ao reconduzi-los (com o maior respeito) à minha própria linguagem imagética e ao pintá-los com a tinta tradicional à base dos pigmentos portugueses, desta forma especial, artesanal, criou-se toda uma nova orientação no meu trabalho. Gostaria muito de, no futuro, ter a possibilidade de aprofundar mais e melhor esta técnica.

Foi, em suma, uma experiência fantástica. Trabalhei dias inteiros a fio e valeu muito a pena poder estar fechada durante um mês e poder desenvolver diretamente novas ideias; isto é uma mais-valia espantosa.

E mais ainda… Tenho a sensação de que ainda estou agora a começar a deixar-me inspirar pelo belo Portugal…

Ingrid Simons
Evoramonte, Portugal, abril 2011

PS
Já (2015) eu estou para a sexta vez no belo Alentejo será permitido voltar e eu deve fazer aqui no Museu Artesanato e o Design, Ėvora, minha quarta exposição individual, que chama “O azul do Alentejo sob o meu olhar”, com meus obras cerâmicos foram feitas em Portugal.

Ao mesmo tempo, apresentar uma visão geral das pinturas e impressões de tela dos últimos anos, o que eu fiz aqui no Alentejo. A exposição que chama “Raios de Luz” é apresentado pelo Museu Municipal Prof. Joaquim Vermelho em Estremoz.

 

 

 

***

 

 

 

Inauguracao exposicao “A luz da lua, visao sobre o invisivel” de Ingrid Simons, Igreja de Sao Vicente de Evora
27  de Marco de 2010 

Drs. A. Schaeffers, Chefe da Seccao Cultural e de Imprensa, Embaixada do Reino dos Paises Baixos :

 

“É uma honra e um prazer poder inaugurar, neste magnífico cenário – esta igreja lindíssima nesta cidade de uma beleza singular –, a exposição da minha compatriota Ingrid Simons.

Congratulo-me pela excelente colaboração, já de há muitos anos, entre a Câmara de Évora e a Fundação Obras, sempre em perfeita simbiose

concebendo iniciativas que enaltecem o espírito e promovem a dinâmica cultural entre Portugal e, entre outros, Holanda.

Ingrid Simons foi já por duas vezes nomeada para o prestigiado galardão holandês ‘Prémio Real de Pintura Livre’. Não surpreende: os quadros da Ingrid parecem possuir uma força quase sobrenatural, pelo menos é essa a minha impressão: sabem falar e até acenar! E se não é falar, pelo menos sabem sussurrar ao ouvido: – Vem, vem – , atraindo o espectador com um misto de beleza e mistério. O espectador não resiste, sai do seu cómodo lugar e eis que entra no mundo do quadro, com a maior das facilidades aliás, pois o próprio quadro ajuda, indicando o caminho.

O desconforto vem só a seguir, uma vez chegado ao destino: uma espécie de limbo, um espaço gélido, algo horripilante, intemporal e feito de dualismos: preto e branco, luz e trevas, sol e lua. O espectador está preso, cativado, mas não está só. A prova disso surge quando a artista, de repente, dá sinal de vida e, tal como na auto-estrada quando em excesso de velocidade, activa o flash do radar: a radiografia da condição humana foi posta a nu, o espectador encontra-se entregue a si mesmo, e ao desafio de se interrogar sobre os seus limites.

– As mais belas flores vivem à beira do abismo – é uma expressão que fascina a artista. E os quadros de Ingrid Simons servem de isco para chamar, com subtileza, o espectador até lá, até ao limite da realidade: – Vem, atreve-te, está aqui escondido o mistério da criação humana! –

Caros presentes, não desanimem: há clemência, afinal! A obra da artista tem evoluído, revelando, recentemente, mais desenvoltura e atrevimento. A artista leva-nos com mais firmeza pela mão, sem medo das vertigens, mostrando-nos que os aparentes contrastes – preto e branco, luz e trevas, sol e lua – são, na verdade, um todo: cada metade representa em si o preto e o branco, a luz e a escuridão, vida e morte, Deus e Demónio. O preto e – como Newton demonstrou – o branco guardam dentro de si todas as cores do arco-íris: as mais belas flores encontram-se lá, de facto!  E assim, a obra de Ingrid não fala de contrastes, mas sim, de relações, de relações entre a artista, a obra, o espectador e o seu meio. É uma homenagem ao ‘wonderful world’ em que todos vivemos.

Certamente as paisagens misteriosas do Alentejo formam uma inesgotável fonte de inspiração para os artistas e os apreciadores de arte. Faço votos para que a Câmara de Évora e a Fundação Obras continuem, com tanta generosidade e competência, a disponibilizar os seus recursos para que as artes possam sempre continuar a florescer e a enriquecer!

Por fim: A deusa hindu Kali encarna a ideia de que a criação e a destruição estão intimamente interligadas, que dependem uma da outra para poderem evoluir e que só assim, de facto, o ciclo da vida se completa. Fiel a este pensamento hindu, que para completar o ciclo natural das coisas, também determina que um discurso não existe sem brinde, convido-vos a brindar a esta estreia de Ingrid Simons em Portugal. Votos de muitas felicidades a todos!”

© Anke Schaeffers, Marco 2010

Fundação OBRAS é o iniciador desta exposição. Foi organizada em estreita colaboração com o departamento de cultura da Câmara Municipal de Évora.

Laat een reactie achter